Em maio de 2017, apenas alguns meses após o início do primeiro mandato de Trump, escrevi uma coluna argumentando que sua incapacidade era tão evidente e destrutiva que ele deveria ser removido do cargo com base na 25ª Emenda da Constituição.
Essa coluna teve bastante repercussão, mas o argumento não se sustentou com o tempo. A Casa Branca no primeiro mandato de Trump continuou sendo anormalmente caótica, e Trump continuou sendo, bem, ele mesmo —mas, em comparação com os primeiros meses, sua Presidência se estabilizou o suficiente para que o argumento de incapacidade e o apelo à intervenção constitucional não fizessem mais sentido. Minha coluna foi escrita com o espírito de “isso não pode continuar assim”. Mas continuou — e mais que isso, continuou com resultados econômicos e na política externa melhores do que eu imaginava ser possível, a ponto de, poucos anos depois, com Joe Biden (que se tornou um caso mais claro para a 25ª Emenda!), os eleitores começarem a sentir saudade dos resultados da era Trump.
Houve muitos momentos assim para os observadores do fenômeno Trump — momentos em que parecia que suas falhas o levariam a um colapso irreversível ou em que parecia politicamente acabado para sempre. Um após o outro, esses julgamentos se mostraram precipitados; Trump desafiou a sorte e sobreviveu para contar a história.
Por isso, quando ele voltou ao cargo, prometi evitar declarações prematuras de desastre. Eu criticaria, sim, mas não agiria como se tudo estivesse perdido —pelo menos durante o primeiro ano.
Esta semana colocou a promessa à prova. Nenhuma das políticas do primeiro mandato de Trump trouxe riscos tão abrangentes como sua grande guerra comercial — risco de recessão, no mínimo, além da ameaça potencial à posição global dos Estados Unidos e à sua estabilidade fiscal. Mesmo com a suspensão das tarifas por país, a escala da guerra comercial com a China e a incerteza gerada pelas mudanças bruscas de Trump apontam para dor econômica sem um caminho claro de recuperação.
É um lugar muito ruim para estar, especialmente para um presidente que sempre dependeu de bons ventos econômicos — e tudo isso está acontecendo num contexto de outros erros e decepções. Escrevi em dezembro sobre a necessidade de um equilíbrio produtivo entre as alas populista e tecnolibertária do trumpismo, entre o espírito de J. D. Vance e o de Elon Musk. Eu imaginava, por exemplo, uma política fiscal pró-família combinada com desregulamentação voltada para a abundância — mas, até agora, o equilíbrio tem sido uma guerra comercial imprudente do lado populista e a cruzada de Musk para reduzir o número de funcionários do governo sem levar em conta a sua capacidade operacional. É uma síntese, sim, mas nada feliz.
Enquanto isso, tudo o que o governo Trump faz é com um tom de exagero e dureza, como se quisesse afastar qualquer parte da sua base que não esteja totalmente comprometida com a causa MAGA (“Fazer a América Grande Novamente“, lema de campanha de Donald Trump nas eleições em 2016 que se tornou símbolo do seu movimento político). Não basta promover deportações; temos que mandar pessoas para uma prisão em El Salvador sem que tenham sido condenadas por nenhum crime. Não basta pedir que nossos aliados da Otan assumam mais responsabilidades; o pedido precisa vir acompanhado de uma carranca, uma guerra comercial e uma obsessão com a Groenlândia. Não basta acabar com programas de diversidade, equidade e inclusão; temos que atacar também a pesquisa científica e a ajuda humanitária.
Tudo isso aponta para uma trajetória muito preocupante, e o fato de Trump ter sobrevivido a outras antes não significa que essa também será revertida. Talvez desta vez ele esteja isolado demais, descontrolado demais, cercado por muitos bajuladores, confiante demais em seu lugar entre as grandes figuras da história (alguém deveria lembrá-lo dos finais infelizes de muitas delas) para conseguir se orientar rumo à estabilidade e à popularidade.
Mas se ele —ou seus conselheiros— quisessem mudar de rota, ainda estamos num momento em que isso seria relativamente simples. A economia ainda não entrou em recessão, e Trump está impopular, mas não de forma irreversível. Isso significa que ele tem agora opções que não terá se a situação piorar; significa que ainda pode seguir com suas políticas preferidas, se o fizer com um pouco mais de responsabilidade.
Ele pode ter tarifas; só não pode ter as tarifas do “Dia da Libertação”, com sua escala exagerada e má concepção. Pode promover deportações; só precisa respeitar os limites da decência moral e da Suprema Corte. Pode ter um Departamento de Eficiência Governamental; só precisa redirecioná-lo para a desregulamentação, onde sempre deveria ter se concentrado. Pode ter bajuladores; só precisa de alguns ministros que digam: “Senhor, talvez não seja uma boa ideia.”
Pode até sonhar com a Groenlândia e tentar conquistar seus habitantes. Só não pode ameaçar tomá-la à força.
Durante todo o seu tempo como figura dominante na política americana, Trump demonstrou uma capacidade para o que poderíamos chamar de disciplina temporária, baseada num instinto de sobrevivência bruto e numa percepção dos ventos políticos.
Se esses instintos ainda estiverem com ele, este é o momento de ouvi-los — e de lembrar que, embora a sorte tenha seus favoritos, a nêmesis está sempre à espreita.
Fonte ==> Folha SP