SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Big techs compraram uma empresa a cada 11 dias, entre 2019 e 2024, mostra relatório da entidade holandesa Somo (Centro de Pesquisa sobre Corporações Multinacionais) divulgado nesta terça-feira (15). No total, foram 191 aquisições identificadas nos cinco anos sob análise.
O levantamento considerou as operações de Amazon, Alphabet (dona do Google), Apple, Meta e Microsoft. De acordo com o grupo, a prática visa expandir a dominância dos gigantes da tecnologia sobre áreas estratégicas, como inteligência artificial, robótica e computação na nuvem.
Das negociações mapeadas em bases de dados usadas pelo mercado e em documentação pública, apenas sete foram avaliadas por órgãos concorrenciais europeus, sem mencionar os dois episódios em que o regulador dos EUA, FTC ( Federal Trade Commission) tentou impedir aquisições da Microsoft (a empresa de jogos Activision Blizzard) e da Meta (a startup de realidade virtual Within).
À exceção das próprias empresas americanas, compradas em 111 das ocasiões, as empresas da União Europeia foram os alvos mais frequentes de aquisições, no total 27 vezes, seguidas pelo Reino Unido (19). Uma startup brasileira foi engolida pela Amazon, o que nunca foi notícia no país.
De acordo com a Somo, um número tão grande de transações fica fora do radar por causa de táticas usadas pelas big techs, como a contratação de funcionários essenciais para o funcionamento da empresa (CEOs e cientistas-chefes) e o licenciamento de toda a propriedade intelectual do negócio.
Procurados, Apple, Microsoft, Google, Meta e Amazon não comentaram.
O desmantelamento da concorrente no setor de inteligência artificial Character.AI pelo Google por meio da contratação dos engenheiros Noam Shazeer e Daniel de Freitas (brasileiro) é um exemplo disso.
Um outro caso foi a operação entre a Amazon e a carioca Auti Books. O gigante do varejo e dos provedores de nuvem comprou, em 2021, todas as licenças de livros sob posse da Auti, que era um empreendimento conjunto entre as editoras Arqueiro, Sextante e Record.
A iniciativa facilitou o início das operações da plataforma de audiolivros da Amazon, Audible, no Brasil em 2023. Os valores da operação nunca foram divulgados e, por solicitação da big tech, ficaram restritos no pedido de concentração feito ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
O regulador classificou a operação como uma estratégia para aumentar a dominância na cadeia produtiva chamada de integração vertical, mas entendeu que não havia uma imposição de barreiras à concorrência, dada a complexidade do setor.
Em abril de 2021, a Auti desativou seu site e parou de publicar nas redes sociais, assim como dois terços das empresas adquiridas por uma big tech.
Outros fatores já permitiram que aquisições históricas se concluíssem sem haver notificação às autoridades de concorrência. O então Facebook, por exemplo, dispensou a autorização do regulador americano para comprar o Instagram por US$ 1 bilhão em 2012, porque a plataforma com foco em fotos nunca havia registrado lucro.
O FTC denunciou a Meta, em 2020, por uma possível formação de monopólio ao unir Facebook, Instagram e WhatsApp sob as asas de um único conglomerado. O julgamento em um tribunal de Washington teve início na segunda-feira (14).
A defesa da Meta, liderada pelo advogado Marc Hansen, argumenta que o mercado delimitado pelo regulador na ação ignora a concorrência de YouTube, TikTok e iMessage. “Isso é indefensável”, afirmou Hansen na sessão desta terça.
Segundo o advogado, a gratuidade dos serviços da Meta invalida a tese de que um suposto monopólio prejudicaria os consumidores. Ele acrescentou que as aquisições incentivam a inovação ao remunerar empreendedores criativos.
Para a coordenadora da organização de direitos humanos Artigo 19 Raquel da Cruz Lima, os instrumentos dos órgãos de concorrência estão defasados em relação à nova dinâmica que as big techs trouxeram.
“Não é uma empresa que vende pão de queijos e as questões estão ligadas a insumos e preços, estamos falando da troca de informações e da circulação de ideias em uma sociedade extremamente digitalizada”, diz ela. “Não é uma discussão sob a lógica de consumo, e sim de cidadania.”
O risco, de acordo com a entidade, é que a concentração dos negócios gere uma dependência da sociedade com as big techs em setores fundamentais como comunicação e inovação.
“É quase a lógica de um ciclo vicioso: tanto mais essas empresas são gigantescas, mais inviável é que existam empresas menores, e mais parece que o único caminho da inovação seria esse da aquisição”, afirma a porta-voz da Artigo 19.
O governo Lula discute anteprojeto de lei que amplia o poder do Cade para enfrentar abuso de poder de mercado das big techs. O texto teria inspiração no ato de mercados digitais (DMA) europeu, em vigência desde março de 2024, que estabeleceu regras específicas de transparência e concorrência para as empresas consideradas dominantes.
O relatório da Somo alerta que o DMA ainda tem lacunas. É o caso da compra da empresa de cibersegurança Wiz pelo Google, por US$ 32 bilhões (a maior transação já divulgada pelo gigante das buscas), que também pode ocorrer sem avaliação das autoridades, devido ao faturamento da Wiz na União Europeia.
Fonte ==> Gazeta do Povo e Notícias ao Minuto